terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Cheiro de feira



Toda terça feira passo por um final de feira. São exatamente 13:30 quando passo por ali.
Já está quase tudo desmontado. Algumas caixas de madeira com restos de legumes e frutas, peruas kombis se ajeitando nas suas tralhas metálicas para irem embora finalmente almoçar.
Mas o que me vem sempre a minha memória quando lembro da minha rotina semanal de atravessar um fim de feira é o cheiro que sinto pelo ar.
E não é cheiro ruim não. Ainda não. Talvez porque ainda esteja no começo do cheiro o final da feira. .
Me faz lembrar que mesmo o que acaba ainda pode deixar um cheiro doce no ar.
Mas deixam no ar sua marca seu registro. E pode ter cheiro , cor, forma e som.
No caso da feira finda é o cheiro o que mais me chama a atenção. Também tem muitas folhas espalhadas, cascas de milho e tomates pisados. Tem papéis e engradados de madeira que nos dá a impressão que sempre deixamos marcas por onde passamos.


Também quando passo ainda consigo fantasiar que há uma hora atras estavam fazendo a xepa. Xepa é a promoção da feira. Quando a feira ja deu o que tinha que dar e os legumes são realmente vendidos na baciada. Caem os precos. Talvez para voltarem com as kombis mais leves, ou com os bolsos mais cheios. A xepa tem seus fiéis consumidores.

As 10 horas é a hora nobre da feira. A hora do pastel tinindo de quentinho, os queijos puxando feito linhas até a boca do cliente. De quebra uma caçulinha ou uma garapa. Para os mais saudáveis ou os que procuram retomar a saude uma agua de coco está de bom tamanho.
Tem a pamonha, o curau e até o milho cozido com manteiga e sal.
Nesta hora a feira lota de estudantes de uma escola da redondeza que aproveitando o intervalo das aulas vai fazer o lanche por ali mesmo.


Mas as 7 horas essa feira ainda é fresca... E nela apenas as senhorinhas assíduas com seus carrinhos arcáicos de feira e suas sacolas centenárias cheirando a nafitalina que hoje são vedetes.Mas elas já usavam e davam bons exemplos de cuidado com a natureza.
Nesta hora o sol ainda está baixo, o cheiro da feira é outro. É um cheiro de manhã, de vida começando , de rotina pegando no tranco. Nesta hora ainda se sente o cheiro do café sendo moído para atrair os clientes que apreciam o café caipira.
O cheiro do queijo ainda é fraco mas ele está fresco e nesta hora é a hora de compra-lo.
As verduras estão repousadas sobre a banca todas viçosas e verdes intensas.
Um verdadeiro convite para incluí-las ao cardápio do dia.


As 5 horas a feira está sendo montada. Nesta hora apenas os trabalhadores da feira sao donos da rua. Nesta hora vemos garrafas termicas de café fumegando em copos de vidro e pão saindo de sacos improvisados vindo de casa.
O dia de labuta está apenas começando.
Cada hora tem um cheiro. O cheiro da feira. Mas o cheiro que me resta é o cheiro do fim da feira. Um cheiro bom. Com nostalgia.

...

05:00 da manhã ... 5 de março de 1975... quarta-feira

Rua Tavares Bastos, Pompéia ainda amanhecendo...A feira está apenas começando...
-Abram alas, abram alas.. diz Sr Abrão o síndico do prédio...
- Queira dar licença para esse carro passar.. continua afoito
Os feirantes estranham o pedido do porteiro bigodudo..
-Abram alas, que a princesinha da Pompéia estaire a nascer...vocifera para todos escutarem...
Minha mãe já com dores do parto está a caminho da maternidade. Meu pai no volante do fusquinha vermelho tremendo de emoção. É preciso passar por todas as barracas montando ainda. Está escuro. Talvez por isso tenho tanta nostalgia quando passo por uma feira....
Nasci no dia de uma feira...

2 comentários:

  1. COmpleto ... envolvente.
    Seu texto teve um cheiro proprio: maduro!
    Morei toda a vida em Rio Preto em uma rua com feira aos domingos e os finais de feira deixavam para mim um sentimento de termino de dia de labuta pra uns e inicio de luta para outros pobres que selecionavam os restos que seriam o prato principal dos dias seguintes... Identificava assim um cheiro confuso, incapaz de identificar tudo o que li ate aqui.
    Vou conferir na proxima feira o que creio que seu texto foi capaz de atingir a quem o ler: narinas e pensamentos abertos pelo aroma trazido pelas vidas das diferentes pessoas que perfumam de tempos em tempos as ruas de cada feira.

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  2. o pastel tinindo de quentinho me faz até sentir o gosto,,, o bafinho quente...
    e o sr. Abraão é um personagem conhecido também... até deu seu beijôco na princesinha recém-chegada da maternidade... eheheheh
    eu tb nasci num sábado, dia de feira no Jd.Independência... Lembra q a Lola levou vc e o Samir pra saborearem um pastel enquanto eu nascia???
    AMEI seu conto!
    Parabéns!!!!!

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