
Toda terça feira passo por um final de feira. São exatamente 13:30 quando passo por ali.
Já está quase tudo desmontado. Algumas caixas de madeira com restos de legumes e frutas, peruas kombis se ajeitando nas suas tralhas metálicas para irem embora finalmente almoçar.
Mas o que me vem sempre a minha memória quando lembro da minha rotina semanal de atravessar um fim de feira é o cheiro que sinto pelo ar.
E não é cheiro ruim não. Ainda não. Talvez porque ainda esteja no começo do cheiro o final da feira. .
Me faz lembrar que mesmo o que acaba ainda pode deixar um cheiro doce no ar.
Mas deixam no ar sua marca seu registro. E pode ter cheiro , cor, forma e som.
No caso da feira finda é o cheiro o que mais me chama a atenção. Também tem muitas folhas espalhadas, cascas de milho e tomates pisados. Tem papéis e engradados de madeira que nos dá a impressão que sempre deixamos marcas por onde passamos.
Também quando passo ainda consigo fantasiar que há uma hora atras estavam fazendo a xepa. Xepa é a promoção da feira. Quando a feira ja deu o que tinha que dar e os legumes são realmente vendidos na baciada. Caem os precos. Talvez para voltarem com as kombis mais leves, ou com os bolsos mais cheios. A xepa tem seus fiéis consumidores.
As 10 horas é a hora nobre da feira. A hora do pastel tinindo de quentinho, os queijos puxando feito linhas até a boca do cliente. De quebra uma caçulinha ou uma garapa. Para os mais saudáveis ou os que procuram retomar a saude uma agua de coco está de bom tamanho.
Tem a pamonha, o curau e até o milho cozido com manteiga e sal.
Nesta hora a feira lota de estudantes de uma escola da redondeza que aproveitando o intervalo das aulas vai fazer o lanche por ali mesmo.
Mas as 7 horas essa feira ainda é fresca... E nela apenas as senhorinhas assíduas com seus carrinhos arcáicos de feira e suas sacolas centenárias cheirando a nafitalina que hoje são vedetes.Mas elas já usavam e davam bons exemplos de cuidado com a natureza.
Nesta hora o sol ainda está baixo, o cheiro da feira é outro. É um cheiro de manhã, de vida começando , de rotina pegando no tranco. Nesta hora ainda se sente o cheiro do café sendo moído para atrair os clientes que apreciam o café caipira.
O cheiro do queijo ainda é fraco mas ele está fresco e nesta hora é a hora de compra-lo.
As verduras estão repousadas sobre a banca todas viçosas e verdes intensas.
Um verdadeiro convite para incluí-las ao cardápio do dia.
As 5 horas a feira está sendo montada. Nesta hora apenas os trabalhadores da feira sao donos da rua. Nesta hora vemos garrafas termicas de café fumegando em copos de vidro e pão saindo de sacos improvisados vindo de casa.
O dia de labuta está apenas começando.
Cada hora tem um cheiro. O cheiro da feira. Mas o cheiro que me resta é o cheiro do fim da feira. Um cheiro bom. Com nostalgia.
...
05:00 da manhã ... 5 de março de 1975... quarta-feira
Rua Tavares Bastos, Pompéia ainda amanhecendo...A feira está apenas começando...
-Abram alas, abram alas.. diz Sr Abrão o síndico do prédio...
- Queira dar licença para esse carro passar.. continua afoito
Os feirantes estranham o pedido do porteiro bigodudo..
-Abram alas, que a princesinha da Pompéia estaire a nascer...vocifera para todos escutarem...
Minha mãe já com dores do parto está a caminho da maternidade. Meu pai no volante do fusquinha vermelho tremendo de emoção. É preciso passar por todas as barracas montando ainda. Está escuro. Talvez por isso tenho tanta nostalgia quando passo por uma feira....
Nasci no dia de uma feira...
COmpleto ... envolvente.
ResponderExcluirSeu texto teve um cheiro proprio: maduro!
Morei toda a vida em Rio Preto em uma rua com feira aos domingos e os finais de feira deixavam para mim um sentimento de termino de dia de labuta pra uns e inicio de luta para outros pobres que selecionavam os restos que seriam o prato principal dos dias seguintes... Identificava assim um cheiro confuso, incapaz de identificar tudo o que li ate aqui.
Vou conferir na proxima feira o que creio que seu texto foi capaz de atingir a quem o ler: narinas e pensamentos abertos pelo aroma trazido pelas vidas das diferentes pessoas que perfumam de tempos em tempos as ruas de cada feira.
o pastel tinindo de quentinho me faz até sentir o gosto,,, o bafinho quente...
ResponderExcluire o sr. Abraão é um personagem conhecido também... até deu seu beijôco na princesinha recém-chegada da maternidade... eheheheh
eu tb nasci num sábado, dia de feira no Jd.Independência... Lembra q a Lola levou vc e o Samir pra saborearem um pastel enquanto eu nascia???
AMEI seu conto!
Parabéns!!!!!