Tratou logo de colocar minha tia Maria José no seu 147 e foi logo pegando a estrada de terra. Isso ela me contando entre um assunto e outro. Meu avô andou umas léguas e logo chegou numa propriedade onde um lindo Flamboyant estava florido. Era dezembro, data que essas espécies gostam de se reservar para florir no Natal. E ela, sua nora , estava em Pirangi a passeio. Visita de final de ano, passar as festas juntos todos.
E parado, há alguns metros de distância, ficou a observar a linda cena que não vi, mas sinto gravada na alma.
Ele, magro, barba por fazer, óculos de armação de tartaruga, roupa suja de graxa, vindo da sua oficina especialmente para mostrar a norinha paulistana uma beleza rara, difícil de encontrar em cidade grande.
O flamboyant, largo, frondoso, espalhando sua copa laranjada com laivos de amarelo por todo lado, enconstado quase numa cerca de propriedade rural.
E ela a admirar tanto o flamboyant, quanto a sensibilidade do sogro que na maioria do tempo se mostrava fechado, misterioso e calado.
Meu avô era assim. Trupé para os amigos, vô Mário para nós seus netos.
Um exímio mecânico, de tratores inclusive, tinha personalidade forte. Já expulsou um camarada do seu jipe porque tinha dado a escassa safra de grãos para a igreja, deixando bocas famintas sem o que comer...Já jogou cardãs ou teve a intenção diante de elouquentes faladores de borracha.
Já sujou de graxa meu nariz, brincava rápido com minha irmã nenê ou chamava meu irmão para ver uma peça na oficina.
E de pequenas coisas que sabíamos dele, muito era pelo meu pai ou tios. Ele mesmo era um mistério. De poucas palavras, depois do almoço saia a dar sua volta pela cidade. Não gostava de despedidas e dormia cedo.
...
As pequenas coisas, as mais simples escondem a real beleza.
Uma árvore que floresceu, uma ninhada de bicho ou um por do sol tem uma verdade que toca aqueles que tem olhos para ver e coração para sentir.
Pequenas coisas, as mais belas... momentos em família. Festas de Natal, infância vivida descalça e no meio da rua. A brincar, a correr...
O tempo é pontual. Pega pelo braço quando nosso tempo acaba.
Meu avô, minha mãe, minha avó...