segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Um flamboyant,coisas simples da vida e saudades do meu Vô Mário

 
 
 
- Menina vem ver isso...
Tratou logo de colocar minha tia Maria José no seu 147 e foi logo pegando a estrada de terra. Isso ela me contando entre um assunto e outro. Meu avô andou umas léguas e logo chegou numa propriedade onde um lindo Flamboyant estava florido. Era dezembro, data que essas espécies gostam de se reservar para florir no Natal. E ela, sua nora , estava em Pirangi a passeio. Visita de final de ano, passar as festas juntos todos.
E parado, há alguns metros de distância, ficou a observar a linda cena que não vi, mas sinto gravada na alma.
Ele, magro, barba por fazer, óculos de armação de tartaruga, roupa suja de graxa, vindo da sua oficina especialmente para mostrar a norinha paulistana uma beleza rara, difícil de encontrar em cidade grande.
O flamboyant, largo, frondoso, espalhando sua copa laranjada com laivos de amarelo por todo lado, enconstado quase numa cerca de propriedade rural.
E ela a admirar tanto o flamboyant, quanto a sensibilidade do sogro que na maioria do tempo se mostrava fechado, misterioso e calado.
Meu avô era assim. Trupé para os amigos, vô Mário para nós seus netos.
Um exímio mecânico, de tratores inclusive, tinha personalidade forte. Já expulsou um camarada do seu jipe porque tinha dado a escassa safra de grãos para a igreja, deixando bocas famintas sem o que comer...Já jogou cardãs ou teve a intenção diante de elouquentes faladores de borracha.
Já sujou de graxa meu nariz, brincava rápido com minha irmã nenê ou chamava meu irmão para ver uma peça na oficina.
E de pequenas coisas que sabíamos dele, muito era pelo meu pai ou tios. Ele mesmo era um mistério. De poucas palavras, depois do almoço saia a dar sua volta pela cidade. Não gostava de despedidas e dormia cedo.
...
As pequenas coisas, as mais simples escondem a real beleza.
Uma árvore que floresceu, uma ninhada de bicho ou um por do sol tem uma verdade que toca aqueles que tem olhos para ver e coração para sentir.
Pequenas coisas, as mais belas... momentos em família. Festas de Natal, infância vivida descalça e no meio da rua. A brincar, a correr...

O tempo é pontual. Pega pelo braço quando nosso tempo acaba.
Meu avô,  minha mãe,  minha avó...
 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Dando corda para a imaginação


Na lista dos meus afazeres daquela manhã só faltava um item. Eu precisava comprar corda para meu gato afiar as unhas. O sofá de casa já estava puído e o puff todo furado com as unhas do bichano.  Nada melhor que o Mercado Municipal da cidade para achar tão especifica mercadoria.

Entrei e logo fui perguntando:

- Onde acho corda?

-No armazém do último corredor. A direita.

Quando cheguei no armazém, tinha uma senhora esperando para ser atendida.

-  Veneno para rato, disse em tom melancólico e sem olhar para o atendente.

O que uma senhora tinha de tanta mazela na vida pra pedir veneno de rato numa linda manhã de segunda-feira? Logo o Natal se aproximaria, as movimentações típicas de final de ano, a lista de desejos de um ano melhor, o coral com músicas de Jesus.

-E a senhora?  Perguntou  em seguida o atendente para mim.

-  Quero corda.

Neste momento me senti sendo julgada também. Porque neste momento a senhora  que antes cabisbaixa, levantou a cabeça,  olhou bem nos meus olhos e disse:

- Tá difícil né?

- Tá! Respondi pensando no gato que estragara muitas coisas em casa e agora ganharia um brinquedo envolto em sizal. Mas logo pensei que ela estava se referindo aos problemas da vida e encontrara consolo no meu pedido , de dar cabo com uma corda aos problemas.

-  O gato está acabando com minha poltrona.

- Ah, comigo são essas pestes. Alias, vou levar também veneno pra formigas. Aquelas pequenininhas, sabe?

Neste momento abrimos um sorriso e o equívoco que ambas pensaram se desfez.

Estávamos apenas a buscar solução para os problemas corriqueiros da vida. O Natal se aproximava de fato, já podia se ver os motivos natalinos  de louça e feltro pelas lojas. Coincidência ou não neste momento ligaram o som do ambiente   e  acordes suaves  invadiam nossos ouvidos. Talvez trazendo a mensagem que ter fé na vida e acreditar mais nos céus.

Enfim , era Natal!